sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Sepulcro

Sentimento passageiro
Mau presságio

Quando quer inteiro
E tem só partes

Quer agora
E tem saudades

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Mentes

Estafa permanente, cansaço decorrente da paixão intermitente. Ah, se francamente a gente fosse decente a ponto de ser crente em amor tão decadente!

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Ululante

Ele ocupava um espaço além do esperado. Por anos, muitos anos.

- Baleia assassina!

As crianças bradavam.

Decidiu mudar - uma dieta. Uma considerável redução de calorias acompanhada de uma reeducação alimentar. Alface e outras porcarias seriam, enfim, parte de seu cotidiano.

Segundo. Exercício físico. Sangue, suor e lágrimas. Um esforço descomunal e a espera pelo, supostamente, inevitável.

Sim, ela viria, ele pensava. Sim, ela virá. Ele esperou, caminhou, esperou, correu, esperou, marcha atlética, esperou, futebol, esperou, natação, esperou a chegada dela, arremesso de anões.

Meses depois, frustração completa: vinte quilos a menos. E nenhum segundo de prazer, de euforia, de bom humor. Caminhar, correr, jogar e arremessar - chato - nada mais. Apenas chato.

E assim ele, provavelmente genial, descobriu o óbvio. A endorfina não existe.

terça-feira, 30 de setembro de 2008

Diálogo Sacro Pós-Moderno

- Eu tiro a roupa no Orkut.
- Como assim?
- Tiro a roupa, ora. Pelo menos sem camisa.
- Tu é bonitinho, mesmo.
- Imagina.

Pássaros cantam.

- Acho que tu também devia tirar a roupa.
- Eu tiro, ora.
- Tira? Entrei no teu álbum e não vi nada.

Sorriso.

- Não, não tiro pro orkut. Eu tiro a roupa, entende? Quando tenho que tirar.
- Ah...
- É, tipo, só tomo banho pelada.
- Mas banho é normal. O que mais tu faz pelada?

O grilo incomoda.

- Não fica vermelha, garota.
- Eu faço pelada as coisas normais, que todo mundo faz.
- Mas eu durmo de roupa, por exemplo. Tem gente que dorme sem.
- Eu durmo com.
- Então, viu como varia? Minha pergunta tem sentido.
- É. Forçando assim...

A gota pinga.

- Tá, eu vou dizer.
- Diz.
- Quando eu faço amor. Eu fico nua.
- Viu só?
- Não entendi.
- Viu só? Não é igual pra todo mundo, eu só consigo trepar de roupa.
- Pára, não mente.
- É sério, não consigo mostrar meu corpo assim, de perto, pra ninguém. Então fico de roupa. E coloco a guria de quatro, daí ela não me enxerga, vou por trás.
- Ah, que nojo.

Cachorros latem.

- Deve ser por isso que tu fica pelado no orkut.
- Isso, tenho problemas com intimidade.
- Isso é sério.
- Muito. Daí no orkut consigo colocar, porque ser de todo mundo é ser de ninguém.
- Profundidade não é teu forte, né?
- Depende em que sentido.

Silêncio.

- Tá chateada comigo?
- Ai, é que tu é estranho. É meio nojento.
- Claro que não.
- Claro que sim.
- Eu tô me abrindo. Pela primeira vez, contigo. Não é fácil pra mim.
- Eu sei, desculpa. Tem que ser verdadeiro.
- Tudo que eu queria era poder ficar nu na frente de alguém que gosto.
- Tá bem, tira a roupa.

Vizinha grita.

- Sério? Não, eu não vou conseguir.
- Vai, consegue sim.
- Não, não dá. Eu gosto demais de ti. Mas posso botar uma foto do meu pau no orkut.
- Ai, que asqueroso.
- Tô brincando.
- Tira, vai. Não vai ser a primeira vez que vejo um.
- Não consigo.
- Não enrola. Vai lá.
- Tira pra mim, então. Baixa a bermuda, eu não consigo.
- Tira a camiseta.
- Tá bem.
- Isso. Não precisa tremer. Agora eu baixo a bermuda.

Sino toca.

- Que bonitinho. Viu só, tá pelado. Não fica tímido.
- Acho que eu vou desmaiar. Me segura.
- Tá, aqui, calma.
- Aqui, vou cair.
- Ah, que cafajeste.
- Desculpa, eu não tava pensando em nada. Ele ficou assim do nada. Deve ser de tensão, já que nunca transei sem roupa. Não que a gente vá transar, calma, só tô...
- Tensão?
- É, sempre fico de pau duro quando tô tenso.
- Ei, tá encostando ele em mim.

Risos.

- Vai, pega nele, vai.
- Ah, rapidinho, eu tenho namorado.
- Mas é um favor, é minha primeira vez. Assim. Nu.
- Tá bom, tá bom. Vou colocar ele na boquinha.
- Isso, fica de quatro, agora.
- Não, tem que ficar de frente pra mim. Pra ter contato íntimo sem roupa. Me pega aqui, ó.
- Onde? Não, aí tá...
- Isso.
- Deu, agora tô bem.
- Vai, com força, não precisa ter medo.
- Tô indo bem?
- Tá ótimo.
- Tô quase.
- Eu também.
- Então vamos juntos.

Campainha soa.

- Ai, tá na hora da missa.
- Esqueci que tu tinha que ir. Vai lá.
- Tá bem, não conta pra ninguém, vai.
- Imagina. E obrigado. Foi importante pra mim.
- A campainha, vou sair pela janela. Abre a porta lá. Tchau, beijos.
- Tchau.

Roberto Carlos no rádio.

- Oi, Júlia.
- Oi, tava passando aqui na frente. Quer ir na missa comigo?
- Ah, de repente. Me espera?
- Espero sim.
- Entra. Sabe, eu fico meio meio assim, de ir na igreja e tal.
- Sério?
- Sério.
- Por quê?
- Ah, é que... Eu peco, né?
- Todo mundo peca, tu não deve fazer nada demais.
- Ah, isso já não sei. Deixa eu ir ali tomar banho.
- Vai lá, campeão. Mas me diz, que tipo de pecado tu comete?
- Ah.
- Fala.
- Bom, eu...
- Diz logo.
- Eu fico pelado no Orkut.

domingo, 28 de setembro de 2008

Entrevista

Vertiginosamente percorreu os doze degraus da escada de madeira, pisando forte e, a cada passo, o ranger da árvore tombada. Calculou mentalmente as suas possibilidades, sentia inabalável confiança e mesmo o pior resultado não merecia temor, o pior resultado seria mais um. Apenas um mais. Contrariando as expectativas, a porta impunha sua força com seu metal escuro e pesado, abandonando a elegância do cedro - era justo, a porta corta-fogo se faria necessária diante de tanto degrau que poderia ser queimado, a escada interminável.

O simples sorriso amigável do rapaz que o recebeu lhe era confortante, não fosse àquela porta poderia sentir-se plenamente em casa. Dois outros homens o aguardavam sorrindo, deliciados. Em seus rostos, a sensação de deleite palpável intrigava. Teriam extensa e intensamente pesquisado a respeito de suas qualidades - jovem, elegante, bonito, inteligente, simpático e, ousaria-se levantar possibilidade, bom vizinho? E os mendigos. Era orgulhoso de seu bom relacionamento com os moradores de rua e, muitos mais que para seus filhos, doava(-se) aos pedintes.

- Boa tarde, senhores.
- Boa tarde.

Pouco tempo depois ouvia-se o rangido a cada passo na madeira. Talvez não inabalável, quem sabe, degrau por degrau, apenas abalado. Mas um abalo gentil, momento de respiro interminável, ao qual já estava habituado. Difícil atingir as pessoas influentes, ele pensava. Difícil. O problema, chegou a conclusão, não era ele. O problema são as portas corta-fogo.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Baú

Logo cedo abri o baú, de onde retirei um vestido. Ele estava ali, sobre a cama, repousando como em seu leito de morte, quando decidi vesti-lo, decidi que apropriado mesmo seria vesti-lo e sair pelas ruas, vejam aquilo, vejam só, vejam que caimento, enquanto eu sequer me daria conta do que se passaria, apenas contente em poder tê-lo como parte de mim - o que fui, sou e serei.

O vestido era de minha bisavó. Interrompi seu sono profundo colocando-o em frente ao meu corpo, diante do espelho. Tão antigo, e tão novo, o espelho. Vestido e espelho? Não forma o par, eu pensei, e terminei entrando dentro de seus aposentos, um véu branco e preto, leve e pesado, como sempre são os dias. Não me senti confortável.

Durante anos imaginei o momento e, agora, era muito diferente. Planejava sentimentos intensos, o vestido evocando um passado que jamais vivi, nunca estive presente. A frustração aos poucos tomou conta. Diante do espelho e só. Saí pelas ruas.

Acenei aleatoriamente para qualquer um, ninguém percebia o vestido? Rodei, dancei sozinha. Percebi que na rua só existia uma árvore, uma cheia de folhas secas e bastante antiga. Vou subir até a altura do galho mais receptivo, o mais alto possível, porque antigamente era habitual escalar árvores em brincadeiras com os amigos. Pensei em gritar alguma coisa, fincar a bandeira.

Não gritei e estava agora tomando um chá com biscoitos, a porcelana herdada de gerações passadas: chá e biscoito e o mesmo gosto de todos os cafés da manhã, a mesa vazia como em todos os cafés da manhã, uma forte luz como em certos cafés da manhã. Lavei a louça estreando minhas luvas de silicone.

Diante do espelho, ali estávamos - eu e o vestido. Não senti nada.

Sentei em minha cama, alguma coisa estava fora de lugar. Delicadamente baixei suas alças e o tecido se derramou pelo corpo até o chão, no justo momento em que perdi a primeira lágrima. Me vi nua diante do espelho de formato arrojado e design pós-moderno - pela primeira vez. Um terremoto sem tremor.

Sei que, após o jantar, pude vestir o pijama do Pato Donald e dormir tranqüila, porque, finalmente, eu tinha sentido.

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Sentido

Tinha medo. O exército podia ser perigoso, não se enquadrava, embora seu espírito fosse mesmo aventureiro - um verdadeiro guerreiro. O amigo tentou deixá-lo mais calmo.

- Apenas obedece, obedece sempre.

No quartel, agradou a todos. Era um jovem obediente e não incomodava ninguém. Conseguiu transar com uma capitã, quem diria, um temor que provocava um risco excitante.

- O proibido é mais gostoso - ela chegou a dizer.

Era o grande camarada de seus colegas. No banho, percebeu possuir o maior pênis. Certamento o motivo da capitã ter cedido aos seus encantos, volume na calça. Conquistou ainda sete moças que apareceram em seu caminho, duas delas superioras. Era um homem. Feliz.

Era o grande camarada de seus colegas. Em seguida, foi currado por dezenas de companheiros solitários e humilhado diante de seu objeto de fascinação, uma senhora bela e charmosa, com quem estava prestes a fornicar. Também foi convidado a lamber o chão por um amigo, em uma brincadeira. Levou alguns tiros de metralhadora, mas foi apenas um engano do cabo Silveira.

Vivia no quartel. E marchou.

sábado, 31 de maio de 2008

Inverno

A temperatura caía. Ao acordar, sentia a água no rosto e nas mãos, todo o sabão que nunca acabava. Uma certa dor muito específica da época do ano, o inverno. Parece que naquela temporada seriam dias de frio extremo.

Enquanto caminhava pela calçada, admirava-se: uma certa limitação nos movimentos e pessoas dormiam pelas ruas. Não seria forte o bastante para agüentar, não era muito forte. Decidiu fazer as compras rapidamente. No supermercado a temperatura era agradável e estranhamente a sensação era a mesma.

Quando abriu a porta de casa e dirigiu-se até a cozinha, fez esforço para deixar as sacolas ocuparem a mesa. Os dedos não pareciam se mover. Sentiu dor ao se desfazer delas. Foi até o banheiro, a estufa. Trancou a porta, ficou do lado de fora. Entrou, dez minutos depois. Duas horas e trinta minutos debaixo do chuveiro, a água quente, nem gota sequer que fosse gelada.

Secou-se. Não era perceptível qualquer melhora, o nariz escorria mas sequer deu-se conta.

Estava deitado no sofá da sala. Colocou a estufa ao lado do rosto. Suava muito. Aos poucos, percebeu estar perdendo os movimentos. O pé, as pernas. O braço. O outro braço. O pescoço. O cachorro se aproximou nesse momento, o braço estirado, os seus pêlos o surpreenderam ao entrar em contato com a mão. Restava o movimentos dos dedos; acaricou o cão enquanto pôde.

Até que congelou. E o cãozinho tentou desfazer a situação, lambendo-os com vontade,
mas o esforço foi em vão. Parece que não havia calor que fosse suficiente.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Impossibilidade

Aí eu me espreguicei... Relaxei. E sorri.

Hoje em dia a gente não sorri mais, ela bradou. Arregacei a boca e mostrei os dentes.

E agora?

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Valentina

A filha era pequena, muito pequena e sofria muito, sofria. Ele tinha pouca idade e era pai. Ela pouca e mãe. Desde o diagnóstico da doença, após o parto, suas vidas não eram exatamente as mesmas. A gravidez se dera por acaso, mas não um problema. A notícia foi recebida com felicidade. A doença da filha era muito rara. As noites agora eram em claro. Uma espécie de bênção amaldiçoada e, toda noite, choravam pelos cantos sem que o outro soubesse.

Ela tentava agir como se aquilo tudo fosse natural. Trocava fraldas, passava talco, dava banho, assistia a convulsões. Cada dia um dia.

Ele sentia grande amor pela filha, sentia viver para ela, por ela e era a razão de sua vida. Em uma noite, pegou-se fantasiando com uma outra vida, sem o bebê. Apenas a faculdade, o trabalho, o lazer. Uma vida leve. Sentiu-se uma pessoa ruim, mas não um pouquinho só, uma pessoa má de verdade, porque simplesmente pensar em tal possibilidade o transformava em algo defeituoso.

A mãe foi informada: a filha precisava viajar para tratamento ou morreria ali, em pouco tempo. Viajou junto dos avós. Agora, precisariam apenas aguardar as boas novas.

- Vai dar tudo certo?
- Vai.
- Tenho medo.
- Vai dar certo.

Com toda sua fé, ela tentava manter-se esperançosa. O silêncio imperou por longos instantes até que ele deixou escapar.

- Não seria melhor se ela nos deixasse?

Foi então que ela saiu da cama e o deixou só em seu quarto, deitado, apenas ele e um punhado de dúvidas que nunca teriam resposta.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

3

1

- Vamos?
- Bem capaz.
- Cláudia prometeu.
- Não gosto de Cláudia.
- Não gosta, mas ela não deixa de ter prometido. E nem a conhece, só histórias que contei.
- Não quero ir.
- Pois vou só.
- Pois vá.
- Sabe que não posso. Olha só, Cláudia prometeu, preciso pegar esse dinheiro. Já faz um mês.
- Não aceite grana de Cláudia, aposto que ela é suja.
- Suja?
- Suja, não sabe? Não lava direito a...
- Mentira!
- Sério, te juro.
- E eu nunca percebi nada? Eu, que conheço Cláudia? Que historinha...
- Nem sabe por onde rola o dinheiro dessa mulherzinha.
- Suja...

2

- Cláudia!
- Olha só quem está por aqui...
- Verdade. Quanto tempo.
- Três para casar.
- Não estamos incomodando?
- Imaginem, eu estava saindo do banho agora mesmo.
- Mas já parece bem sequinha.
- Claro, já saí. Normalmente a gente usa a tolha, não?
- Claro que sim, mas com um cabelo longo assim...
- Secador, ora.
- Verdade.
- Bom te pegar limpinha, recém saída do banho.
- Adoro o cheirinho pós-banho.
- Obrigada, de verdade. Queiram sentar-se.
- Não, já estamos de saída. Apenas estávamos dando uma volta com Rufus, o cãozinho do vizinho, e, ao percebermos a casa de Cláudia...
- Tivemos que parar.
- Isso mesmo, precisamos parar. Mas uma paradinha rápida, Rufus nos espera do lado de lá e sabemos de sua alergia.
- De fato, sou terrivelmente alérgica aos cães. Apesar de amá-los muito. Sempre foi uma frustração.
- Também paramos por outro motivo, o dinheiro.
- Ah, o dinheiro.
- Esperei, esperava e não chegava.
- Não espere mais. Aqui está.
- Cláudia... O que esse dinheiro estava fazendo ali?
- Estou sem bolso, como podem ver. Então é onde consegui mantê-lo. Mas acabei de tomar banho, lembrem-se.
- Tudo bem, qualquer coisa deixo no varal.
- Ou podemos usar o secador de Rufus.
- Se constranjo vocês, posso entregar o dinheiro em outra oportunidade.
- Sem problemas, estamos aceitando assim mesmo, de bom grado.
- Direto da fonte.

3

- Que horror.
- Tudo que imaginamos aconteceu.
- Mas ela toma banho.
- É golpe. Não acreditei.
- Também não é para tanto. É preciso crer um pouco nas pessoas, até mesmo em Cláudia.
- Cláudia já fez aborto, não confio nela.
- Não sei. Preciso fazer as unhas.
- Unhas, Ruan?
- Pode não parecer, mas nem todos os homens são desleixados. Em meu trabalho é importante uma boa aparência.
- Ô, se é. Aliás, só é.
- Algumas pessoas são diferentes, não pensam só em corpo.
- Veja meu caso.
- Não é o único.
- Não sou o único?
- Claro que não. Nem todo mundo é só sacana.
- Achei que fosse o único...
- O que é isso? São lágrimas nos teus olhos?
- Cisco.

- ...

- Então vou indo fazer essa unha, Júlio.
- Cisco nos dois olhos, vê só.
- Coloca um colírio.
- Vou colocar. Viu minha carteira?
- Ali.
- Tá aqui.
- Mas não foi esse o combinado, aqui tem demais.
- É que já passou da hora que tínhamos estipulado.
- Ah, é verdade. Quase deixo passar essa. Então tá certo.
- Certo.
- Passa esse colírio que teu olho não pára de lacrimejar, Júlio.
- Pode deixar.
- Até mais.
- Adeus.

Sem Nome

Assim, logo de cara, revelou sua verdade.

- Não sei escrever tarraxa.

sábado, 22 de março de 2008

Patinetes, férias, outono

O site sugeria patinetes, férias e outono, como marcadores para a postagem.


Em certa tarde, ainda era muito jovem, nas férias, ela utilizava um patinete de seu primo para brincar. Não era outono.

quinta-feira, 13 de março de 2008

Sofreguidão

Desenganada, correu até a casa da tia, chorava demais, ai, já chega de sofrer de amor, meu bom Pai! Estava decidida a romper laços enquanto corria secando seu pranto, olha lá, que mulher balofa, e prosseguiu seu percurso até a porta da casa - era o fim da submissão.

- Titia, benzinho.

Desde sempre, era assim que chamava por sua tia. Pensou que a vida seria outra se seu benzinho fosse, de fato, a tia, que jamais lhe importunaria, mas logo esqueceu da idéia - quando tinha transado com Jordana sentiu um arrepio intenso que não era de prazer. Bateu na porta e repetiu.

- Benzinho, é sua pretinha.

Sentiu que, uma pessoa de fora, assim, veria a situação de maneira esquisita e pouco tradicional. O apelo por titia soava amoroso, como se amantes já fossem há muitos anos. Talvez com outra mulher fosse melhor, Jordana portava penugem densa, para ela, até mesmo os homens não precisavam de pentelhos. É, pensava, quem sabe titia não transe legal e a porta se abriu, repentinamente.

- Pretinha, que saudades. Acabo de preparar um chá gostoso.
- Pena que não tomo chá.

E gargalhou.

- É, eu mijo de pé - replicou a velha.

O ambiente ficou descontraído e ela contou todos os detalhes sobre o abandono. Não era mais possível viver com um homem como Rudinei, viril até demais em época de galãs sensíveis. Recém tinha descoberto que se tratava de um cafajeste. Após detalhamento, revelou à tia que o que estou precisando mesmo é de um homem bem fofinho.

- Gordos, minha filha?
- Fofo-cute, titia. Não sou buraco em campo de golfe.
- Ah, bem, então entendo.

Conversaram sobre tudo. Rudinei era passado e ela observava titia molhando o biscoito na xícara de chá. Tentou entrar em assuntos íntimos do passado, mas logo a tia mudou de assunto.

- As pamonhas estão uma delícia, atualmente.

Ela já sentia-se mal, imaginou titia transando com o vendedor de pamonhas, preciso sair daqui. Levantou-se, supetão, e, saracoteando o corpo buliçoso, urrou.

- Êta, fogo danado!

E saiu porta afora, a tia boquiaberta.

Fogosa estava, atacar titia não era politicamente correto. Correu até um banheiro público, entrou no homenzinho e, Virgem Santa, quanto pinto! Recostou-se no mictório e chupou dezenas deles. Sentiu-se, em certo momento, satisfeita, lavando-se no banheiro com a mulherzinha na porta.

Voltou para casa em passos lentos, parecia que Rudinei era seu destino.

- Querido, estou de volta.

O homem sorri, completo, segura a cabeça dela e, empurrando-a para baixo, sussura:

- Então chupa aqui.

sábado, 1 de março de 2008

Ano Novo

A cada mês, ano novo. Suas listas jamais cumpridas renovavam-se. Agora, as coisas seriam diferentes. Era primeiro de março e o ano, enfim, começaria. Janeiro e fevereiro seriam perdoados, meses de férias e sol escaldante, pouco convidativos a mudanças. Março já era diferente: sem desculpas para seguir a vida. Sua primeira meta e, no dia primeiro, ela poderia perfeitamente ser cumprida, era transar com uma pessoa aleatória que encontrasse no meio da rua, somente pela diversão.

Pela primeira passou reto, era uma mulher obesa.
A segunda parecia fácil demais.

A terceira era perfeita, mas estava acompanhada de um provável companheiro e seria indelicado agir sem qualquer senso de decoro.

Ficaria com a quarta opção, mulher razoável, de média estatura e, possivelmente, ainda virgem - era jovem demais para se perguntar. Conversou por alguns instantes. Era chave de cadeia. Sua filha estaria com a mesma idade. Não lembrava direito de seu rosto. Quando abandonou a mulher, decidiu sair de mãos abanando - jamais se esqueceria do rosto de sua filha, aquele bebê prematuro, doente e estranhamente acolhedor. Esqueceu.

Abandonou a idéia. Seu humor agora se transformava em extenuante melancolia, configurando seu corpo em pó, dissolvendo-o. Lembrou de uma promessa feita há exatos dez anos. Escreveria uma carta a sua filha. Não esperaria por uma resposta, pois certas lacunas jamais são preenchidas, lembrava de suas provas de gramática. Naquela noite, gatos gritavam pela vizinhança e a folha permaneceu em branco. Hoje seria diferente. Sentou-se em sua antiga cadeira forrada por um veludo vermelho, desbotado.

Minha filha, olá, pode parecer estranho mas estou aqui, seu pai, sempre a carreguei em meus pensamentos e, noite ou dia, jamais a esqueci, mesmo que, posso confessar, vez ou outra sua imagem não me seja clara na cabeça, já passaram-se 14 anos e ainda sinto pela separação, a nossa, pois sua mãe nunca foi boa mulher para mim, era amarga e sua dor me consumia, não duraria muito ao lado dela, sou um homem de certa fragilidade, um marmanjo triste, enfim, um pai que foi capaz de abandonar sua filha, apesar de todo o amor que sentia, um amor parecido com aquele que sentimos quando somos muito pequenos e assistimos ao desenhos da Walt Disney, desenhos esses que deixei de aproveitar ao seu lado e vi sozinho, solidão essa que me faz escrever essa carta que, espero, não seja tão mal recebida como mereceria - sei que a ausência é ainda pior que má presença -, mas escrevo para dizer que mesmo não existindo, porque eu jamais existi, de fato, para minha filha, mesmo não existindo, sempre amei, mesmo desconhecendo, sempre amei e essa é minha maior dor, me dói por dentro e por fora, me dói não conhecer seu rosto e não acompanhar uma vida que criei, peço desculpas, mil delas, não prometo um retorno, não prometo me intrometer em uma vida da qual escolhi não fazer parte, não espero uma resposta, mas seria bem-vinda se possível, seria alentadora, seria como poder existir plenamente em uma não-existência, eu só peço desculpas porque sempre te amei.

Ao colocar o ponto final, sentia esgotamento profundo e também certo regozijo por ter cumprido, pela primeira vez, no primeiro dia do ano, o primeiro de março de dois mil e oito, sua tarefa. Antes de dormir, horas depois, estirou-se sobre a cama e, com apenas dois dedos, segurou a folha de papel que estava sobre a mesa de cabeceira. Abriu o papel e leu a carta que escrevera horas antes – ela não dizia muita coisa. Sentiu-se decepcionado, tinha expressado tanto e, agora, parecia tão pouco. Acendeu a lareira em pleno verão, a madeira em brasa estalava como em noites de inverno solitárias, colocou a carta ali, por entre lenhas e, enquanto queimava dirigiu-se a sua cama. Deitou, fechou os olhos e – pela primeira vez no ano – dormia.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Possibilidades de Aproximação

Sofria. Era difícil aproximar-se de seus poucos entes queridos. Sua esposa agora era ex e vivia longe dali, nada enxergava dentro dele. Por maior que fosse o interesse, complicada era a abordagem.

Decidiu criar uma lista intitulada Possibilidades de Aproximação. Era formada por apenas cinco ítens.

1 - Ao perceber pessoa desejada em local público, tropeçar propositalmente diante de seus pés.
2 - Fazer telefonema para o número da pessoa e pedir por uma pizza de anchovas.

Não era fácil completar a lista. Foi até a sala de televisão, seu cinema privado - já pouco abandonava sua moradia -, pipoca em mãos, fez tour pelos canais de televisão. Vesgo e Sílvio aproximavam-se facilmente de todas suas vítimas. Eram personagens. Decidiu escrever algumas características que lhe fariam pessoa melhor. Interpretaria um papel.

3 - Buzinar diante da casa de pessoa desejada forte e insistentemente. Mentir que se tratava de uma tentativa de assalto.
4 - Em caso de pessoa desejada desconhecida, puxar conversa em fila de ônibus.

Seria um homem bem humorado e bem resolvido. Mas a idéia do personagem não foi em frente, era incapaz de fingir. De certa forma, essa sempre fora sua maior qualidade e agora tornava-se um defeito da maior relevância.

5 - Em caso de solidão extrema, aproximar-se de desconhecido portador de deficiência física, psicológica ou obesidade.

Encontrou mulher de espesso bigode, ainda que de pouco peso, e decidiu forçar contato.
- A senhora sofre muito com o preconceito?
- Eu?
- Sim.
- Que pergunta. Por que sofreria?
- A senhora não é capaz de disfarçar o denso bigode em seu rosto. A maioria dos homens, e mesmo mulheres, não costuma sentir-se atraída.
A mulher nada respondeu, os olhos tranformaram-se em piscina e ele agora se percebia nadando dentro deles.
- Eu gosto. A senhora pode estar certa de que muito me agrada.

Já não sabia mais como ir além de suas limitações. Sua sinceridade era mal compreendida e jamais intencionaria magoar alguém. Era capaz de fingir interesse por uma mulher barbada - depois, não deveria ser difícil convencê-la a aparar os pêlos -, mas nem mesmo trair a si próprio e a seu próprio gosto era suficiente.

Ao aparar seus próprios pêlos, deu-se conta, enquanto diante do espelho, de seu tamanho pouco proporcional; talvez fosse uma daquelas pessoas que sempre julgou esquisitas. Provavelmente, era o único homem portador de culotes em todo o sistema solar. Naquela noite, não dormiu. Apesar de sua atual situação, seus momentos de felicidade genuína existiam. Talvez nem todos possam ser felizes por uma vida toda.

Na manhã seguinte, soube através do jornal que sua ex-namorada, renomada defensora pública, estava de volta a sua cidade natal. O lugar em que ele sempre viveu. Suas lágrimas borravam a tinta do jornal quando tomou a decisão. Vestiu-se, perfumou-se e saiu de casa às pressas. Um caminhão de mudanças, ela havia mudado para sua antiga casa, lugar em que passou seus momentos de plena existência. Sentia-se um pouco mais vivo. Tocou a campainha.

Uma estranha abriu a porta.

- A Júlia?
- Nenhuma Júlia mora aqui, senhor.

Foi então que a mais nova moradora de tal residência pode nadar nas piscinas que eram, agora, os olhos dele. Com um nó na garganta e uma dor tão acima do suportável, precisava existir. Em um gesto brusco segurou a mão da mulher, enquanto de sua enorme tristeza brotava um sorriso.

- A senhora, por favor, case comigo.

E, por dentro, ele já não era mais o mesmo.

sábado, 23 de fevereiro de 2008

Belezas Naturais

As belezas fazem partes das naturezas.

Inspirado pela incrível afirmação, dedicou-se a capturar a beleza em detalhes que fossem, pequenos que sejam. Mas aquele homem não era pequeno. Chamava atenção à distância e seu olhar apático era consideravelmente intenso.
Sem qualquer perplexidade, imaginei que seria politicamente correto aproximar-me. Era obeso. Dos mórbidos. A banha provavelmente como pudim de leite condensado ao ponto, prestes a desabar. Algumas marcas de estria adornariam o corpo. Certamente encobrindo algum tipo de diamante - por dentro, um ser humano de rara delicada boniteza.

- Olá.
- Bom dia.

Sua presença causou-me considerável desconforto e tal encontro com a beleza fora, então, protelado.