sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Ligação

Caminhava de um lado a outro, ia e vinha, cansando o vendedor de pipocas que detinha o espaço central do percurso. A senhora de chale branco e casaco cor de vinho barato abriu o livro e deu início à leitura, concentrada, ignorando o assédio de pombas que, ao que tudo indica, pretendiam aninhar-se em seus volumosos cabelos vermelhos. Roía as unhas nervoso enquanto observava cada passo da mulher, ignorando inteiramente a presença do pipoqueiro, agora por certo atento aos movimentos do homem, que parecia ter a mão direita presa ao bolso do sobretudo. Trinta minutos de leitura e ele ia e vinha e o pipoqueiro via tudo, tudo ela lia rapidamente, um best seller barato que pouco a interessava e sequer percebia o homem indo e vindo, a sua frente, agora, não mais, a sua frente agora não mais, sempre com os olhos fixos em sua presença. Era de aço o objeto que o pipoqueiro segurava quando o homem tomou assento ao lado da senhora das pombas e, ao dar o primeiro passo em direção, tenso e prestes a dar às costas a seu próprio veículo de trabalho, um telefone tocou. A senhora rapidamente deixou seus olhos escaparem das páginas, o pipoqueiro estacionou seu movimento por completo e o homem, de dentro do bolso direito de seu casaco, retirou o aparelho. Chamada não identificada, secou o suor da testa e, abrindo sorriso que escondia um nervosismo preocupado, atendeu.

- Alô, Júlia?
- Não, aqui é Ramiro.