quinta-feira, 24 de abril de 2008

Valentina

A filha era pequena, muito pequena e sofria muito, sofria. Ele tinha pouca idade e era pai. Ela pouca e mãe. Desde o diagnóstico da doença, após o parto, suas vidas não eram exatamente as mesmas. A gravidez se dera por acaso, mas não um problema. A notícia foi recebida com felicidade. A doença da filha era muito rara. As noites agora eram em claro. Uma espécie de bênção amaldiçoada e, toda noite, choravam pelos cantos sem que o outro soubesse.

Ela tentava agir como se aquilo tudo fosse natural. Trocava fraldas, passava talco, dava banho, assistia a convulsões. Cada dia um dia.

Ele sentia grande amor pela filha, sentia viver para ela, por ela e era a razão de sua vida. Em uma noite, pegou-se fantasiando com uma outra vida, sem o bebê. Apenas a faculdade, o trabalho, o lazer. Uma vida leve. Sentiu-se uma pessoa ruim, mas não um pouquinho só, uma pessoa má de verdade, porque simplesmente pensar em tal possibilidade o transformava em algo defeituoso.

A mãe foi informada: a filha precisava viajar para tratamento ou morreria ali, em pouco tempo. Viajou junto dos avós. Agora, precisariam apenas aguardar as boas novas.

- Vai dar tudo certo?
- Vai.
- Tenho medo.
- Vai dar certo.

Com toda sua fé, ela tentava manter-se esperançosa. O silêncio imperou por longos instantes até que ele deixou escapar.

- Não seria melhor se ela nos deixasse?

Foi então que ela saiu da cama e o deixou só em seu quarto, deitado, apenas ele e um punhado de dúvidas que nunca teriam resposta.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

3

1

- Vamos?
- Bem capaz.
- Cláudia prometeu.
- Não gosto de Cláudia.
- Não gosta, mas ela não deixa de ter prometido. E nem a conhece, só histórias que contei.
- Não quero ir.
- Pois vou só.
- Pois vá.
- Sabe que não posso. Olha só, Cláudia prometeu, preciso pegar esse dinheiro. Já faz um mês.
- Não aceite grana de Cláudia, aposto que ela é suja.
- Suja?
- Suja, não sabe? Não lava direito a...
- Mentira!
- Sério, te juro.
- E eu nunca percebi nada? Eu, que conheço Cláudia? Que historinha...
- Nem sabe por onde rola o dinheiro dessa mulherzinha.
- Suja...

2

- Cláudia!
- Olha só quem está por aqui...
- Verdade. Quanto tempo.
- Três para casar.
- Não estamos incomodando?
- Imaginem, eu estava saindo do banho agora mesmo.
- Mas já parece bem sequinha.
- Claro, já saí. Normalmente a gente usa a tolha, não?
- Claro que sim, mas com um cabelo longo assim...
- Secador, ora.
- Verdade.
- Bom te pegar limpinha, recém saída do banho.
- Adoro o cheirinho pós-banho.
- Obrigada, de verdade. Queiram sentar-se.
- Não, já estamos de saída. Apenas estávamos dando uma volta com Rufus, o cãozinho do vizinho, e, ao percebermos a casa de Cláudia...
- Tivemos que parar.
- Isso mesmo, precisamos parar. Mas uma paradinha rápida, Rufus nos espera do lado de lá e sabemos de sua alergia.
- De fato, sou terrivelmente alérgica aos cães. Apesar de amá-los muito. Sempre foi uma frustração.
- Também paramos por outro motivo, o dinheiro.
- Ah, o dinheiro.
- Esperei, esperava e não chegava.
- Não espere mais. Aqui está.
- Cláudia... O que esse dinheiro estava fazendo ali?
- Estou sem bolso, como podem ver. Então é onde consegui mantê-lo. Mas acabei de tomar banho, lembrem-se.
- Tudo bem, qualquer coisa deixo no varal.
- Ou podemos usar o secador de Rufus.
- Se constranjo vocês, posso entregar o dinheiro em outra oportunidade.
- Sem problemas, estamos aceitando assim mesmo, de bom grado.
- Direto da fonte.

3

- Que horror.
- Tudo que imaginamos aconteceu.
- Mas ela toma banho.
- É golpe. Não acreditei.
- Também não é para tanto. É preciso crer um pouco nas pessoas, até mesmo em Cláudia.
- Cláudia já fez aborto, não confio nela.
- Não sei. Preciso fazer as unhas.
- Unhas, Ruan?
- Pode não parecer, mas nem todos os homens são desleixados. Em meu trabalho é importante uma boa aparência.
- Ô, se é. Aliás, só é.
- Algumas pessoas são diferentes, não pensam só em corpo.
- Veja meu caso.
- Não é o único.
- Não sou o único?
- Claro que não. Nem todo mundo é só sacana.
- Achei que fosse o único...
- O que é isso? São lágrimas nos teus olhos?
- Cisco.

- ...

- Então vou indo fazer essa unha, Júlio.
- Cisco nos dois olhos, vê só.
- Coloca um colírio.
- Vou colocar. Viu minha carteira?
- Ali.
- Tá aqui.
- Mas não foi esse o combinado, aqui tem demais.
- É que já passou da hora que tínhamos estipulado.
- Ah, é verdade. Quase deixo passar essa. Então tá certo.
- Certo.
- Passa esse colírio que teu olho não pára de lacrimejar, Júlio.
- Pode deixar.
- Até mais.
- Adeus.

Sem Nome

Assim, logo de cara, revelou sua verdade.

- Não sei escrever tarraxa.