domingo, 27 de junho de 2010

Cena

Amor, essa é tua ostra nadando na sopa? Vira o rosto, irada, não, não é não a minha ostra, Arthur. Que idéia é essa de falar da minha ostra? Se estivéssemos no restaurante da Julieta, ia perguntar em alto e bom som, na frente de todos, se minha ostra tava nadando na tua sopa? Claro que não percebeu a razão da ira de sua esposa, claro que não, sua boba, no restaurante a ostra não seria tua. Seria a ostra da Julieta. Não estou acreditando, meu amor, não posso acreditar que nunca tenha ouvido os especialistas que relacionam ostra com... Interrompe a esposa. Chega, não precisamos discutir. Ainda não terminei, Arthur, quer acabar a discussão antes de entender o problema? De forma alguma, quero apenas que o problema termine. E acabando a discussão ele também acaba, não é assim? Arthur, eu não admito, caminha até a porta da cozinha, que tu não saibas o que é uma ostra. Se eu falasse da ostra de um cara, ok, sem problema, mas... Querida, não posso lá ter minhas dúvidas? Tu comprou ostra, mexilhão, isso é tudo a mesma coisa, e não fica conjugando a segunda pessoa direitinho, que eu sei que tu não é desse tipo. Se tu fosse jantar na casa da Marieta, Arthur, tu ia perguntar pra ela se a ostra dela tava nadando na tua sopa? Não vejo o menor problema, Marieta é nossa amiga íntima. Não sabia que ostra é xereca, Arthur? Falar da ostra da Marieta, é falar da boceta dela, não da caixinha da pérola. Mas eu estou falando de sopa! Sopa! Caminha até o lado da esposa, não, não, Arthur, juntas, ostra e mulher, na mesma frase, é como misturar... É como tu perguntar, Tiago, isso é uma cenoura enfiada na minha batata? O que é isso, meu amor, que comparação absurda... É completamente outra coisa falar em ostra na sopa e cenoura enfiada na batata. Arthur, e se sopa fosse sêmen? O que?! Se fosse a boceta da Marieta nadando na tua porra, Arthur, isso não é possível, agora? Ele está perplexo. Eu já entendi, Arthur, tu tem comido a Marieta, eu não sou boba. Claro, e também eu devo estar deixando a cenoura do Tiago ser metida na minha batata. Agora vejo a intenção real dessa conversa. Aliás, batata parece com saco, não com cu, ou algo do tipo. Algo do tipo? Não poderia ser outra opção, Arthur, a cenoura do Tiago só poderia ser enfiada no teu cu, batata é que não ia ser boca, agora. Fica calma, querida, pensa bem no que tá falando, as coisas não são assim, tu está sendo um pouco paranóica, eu acho. Eu quero me separar, Arthur. Bem capaz, Cláudia. Nem fodendo. Pelo contrário, Arthur. Fodendo com a Marieta, tudo está acabado. Eu não estou fodendo a Marieta, nem a ostra, nem a batata dela. Nem o tomatinho dela? Que tomate, Cláudia? A boca, ora, o que mais seria, agora? Boceta, cu e nariz? Ai, meu Deus, com que homem eu fui casar... Não dá mais, essa separação é pra ontem. O que te faz desconfiar que eu esteja lambendo o tomatinho da Marieta, Cláudia? A ostra na sopa? A tua ostra? Na minha sopa? Quem botou a Marieta na história foi tu. É que, Arthur... Eu preciso te culpar de alguma forma, tô mega culpada. Ela senta no chão da cozinha. Ele ao lado. O chão tá gelado, vamos pra cama. Culpada por que, Cláudia? Nada, vamos dormir, tá tudo certo, Arthur. Não tá, não, o que tá acontecendo contigo, Cláudia? Eu... Eu tô chupando o pirulito do Otávio. Arthur fica sem reação. Acho melhor nos separarmos. Após o silêncio, ele manifesta, é, é melhor mesmo. Arthur vai até o quarto, carrega o travesseiro para a sala. Dorme no sofá. Acorda, faz suas malas. Amor, desculpa. O que é, Cláudia? Desculpa. A partir de agora eu só vou chupar o teu pau. Esquece de escovar os dentes e sorri, em frente ao espelho. Trocam um beijo. Te amo.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Debutante

- Canta para eles, minha filha... Mostra essa voz linda que tu tens.

Desde que me arrebatou
Meu corpo se fez revoltado
E como rio desenfreado
Um corrimento liberou

Tudo isso começou
No dia em que por mim
Ele se apaixonou

- Cala a boca, Maria Clara!

terça-feira, 6 de abril de 2010

Plantio

Que noite! Acordou cansado, correu até a escadaria e pensou duas vezes. Por fim, desceu.

- Madre! Madre!!
- O que é, filhinho!?
- Ando pensando muito em casar, ter uma senhorinha ao meu lado.
- Estamos mesmo precisando de ajuda na limpeza, meu filho.
- Está certa disso, madrezinha?
- Uma boa moça sempre será uma boa!
- Eu sempre quis ter filhos! Preciso transformar meus sonhos em realidade!
- Claro, petiço! Você precisa casar!

Armindo começou a planejar tudo. Queria um casamento perfeito, cheio de firulas. Era especialmente fã do excesso. Pensou que tudo deveria ser azul, para lhe agradar, e rosa, para satisfazer a esposa. Azul e rosa era, sim, uma bela combinação. E também havia a comida, é claro. Precisava ser especial. Talvez um bom risoto de mirtilo. Sentia a água na boca. Para a sobremesa, melancia parecia perfeito. Leve e refrescante. Saudável. Se faltasse água mineral, bastaria uma pequena porção de melancia – ainda seria uma água levemente doce; enfim, um raro espetáculo.

Eventualidades... A vida é marcada por eventualidades! Oh, eventualidades! Como pôde esquecer que não tinha ainda a senhorinha? E quem seria? Bem que a filha da vizinha poderia aceitar a proposta. Ele era um homem bonito, atraente. Que mal teria casar-se com ele?

- Priscilla!!!!!!! Há quanto tempo, minha flor...
- Oi, Armindo! Que saudades de você. Há tempos não nos batíamos pela rua...
- Não lembro de bater em você...
- Armindo!!! Como você é brincalhão, sempre me diverte.
- É, sou engraçado, mesmo! Escuta... Eu queria te dizer uma coisa...
- Fala!
- Eu te amo!
- Anh?
- Casa comigo??

Voltou amargurado para casa. É uma vadia. Gorda! Não conhecia mais nenhuma mulher interessante. Foi aos prostíbulos; nada! Ao som do Rebolation, tentou seduzir na rua uma bela garota. Outro fracasso. Não era possível!

- Madrezita! Madrezita!!!!
- Sim, filhote. O que é? Não grite assim.
- Madre, preciso fazer uma pergunta. É algo...
- Algo o que, meu filho???
- Me deixa falar, mãe!!
- Pelo visto é coisa séria!!!!
- É. Preciso perguntar uma coisa. Agora que tudo deu errado, preciso perguntar!
- Vamos, pergunta!

Subiu para o quarto, correndo. Secou as lágrimas, vestiu sua melhor roupa. Por fim, desceu.

- Madre, a senhora casa comigo?
- Ah... Vai plantar batata, Armindo!

terça-feira, 30 de março de 2010

Presente

Costumo marcar a vida das pessoas que me conhecem, mesmo sem querer. Tenho esse carisma.

Tive um amigo que sempre comentava o quanto gostava da minha presença. Ele me contou, e isso eu achei curioso, contou quando estávamos andando na roda gigante, logo antes de experimentar o trem fantasma. E ele deixou todos saberem, éramos melhores amigos. No futebol, queria sempre estar em meu time. Depois a mãe dele veio com a notícia de que mudaria de escola. Caminhava de forma muito alegre, o meu amigo, em passos decididos, desde cedo.

Casamento só tive um, ela me amou demais. Chegou a dizer que seu rosto estava ficando marcado pelas lágrimas que derramava, e era eu quem as provocava. Mas lágrimas bem-vindas, sem sofrimento. Em uma tarde, quando tomávamos sorvete, derrubei um pouco em sua mão. Sem perceber, ela esfregou o olho e começou a rir. O morango se juntou ao lápis preto do olho e formou uma cor similar a que vestia na noite em que nos conhecemos.

Graças ao casamento conheci um grande amigo, ele tinha uma coisa engraçada, sempre que ria apertava um pouco o olho direito, minha ex-mulher não reparava, mas aquilo me divertia, de alguma forma. Às vezes jogávamos videogame, feito crianças, mas ele estragava todos os botões. Gostava de me culpar, alegando que eu o fazia rir demais e assim se distraía.

A melhor amiga da minha ex-esposa, também marquei, tivemos um caso há cinco anos, após o final do casamento. Sentia por mim algo indescritível, era apenas o que dizia. You're just too good to be true, Can't take my eyes off you, ela cantava quando lavava a louça, antes de secar o rosto e ajeitar o anel da mão direita.

O Jonas tinha uma cicatriz na perna esquerda, logo abaixo do joelho, a Camilla se escrevia com dois éles, a Júlia sentava atrás da minha cadeira e o Renan sentou ali por três dias, só. A cachorrinha do Carlos soltava muito pelo e a tia Jurema, a empregada lá do sítio do meu avô, tinha uma gata que pedia carinho feito louca. Todos notavam o meu carisma. Até nos animais, eu sentia. Em cada lambida.

Todos os dias agradeço pelo meu dom. Essa coisa que faz as pessoas nunca se esquecerem de mim, para a vida toda. Não que elas marquem a minha, mas eu sim. Garantia de sorrisos.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Hábito

Quando ela chupou o dedão do pé de Arthur, sapeca, sentiu como que um espasmo sem movimento. Alguma coisa estava fora de lugar e precisaria descobrir. Arthur havia feito alerta ao retirar as meias, apontando as unhas em processo de desintegração, consumidas pelos fungos, mas não era isso. Alguma coisa diversa, e não o gosto de sua unha ou o roçar ríspido na mucosa, algo que ia além, improvável e impossível de se perceber sem dedicação exclusiva.

Há exatos sete anos a mesma sensação havia se feito notar durante um café da manhã com o executivo de uma empresa, após uma noite de entrega desinteressada e de prazeres culpados. Mas com Arthur o prazer não era culpado ou indiferente, e prova disso é que indiscutivelmente lhe chupava os dedos do pé, toda noite, eufóricos ou sonolentos, ríspidos ou dóceis, querendo ou não. Era sagrado.

Cláudia sempre supôs que a noção do sagrado estaria acompanhada da noção do pecado e, bastou visualizar suas ideias, os dedos sacros, que pegou um trem com destino à igreja que frequentava sua avó, Dijanira, uma senhora corpulenta, silenciosa e alienada. Antes de ir à igreja, encontrou a pia da avó repleta de louças acumuladas, o sebo já entranhado, e deu tudo se si em sua missão de livrar os pratos do excesso, da gordura que lhes consumia dia após dia.

- Deixe isso aí, minha filha. É assim que se estragam as mãos. Uma mulher precisa cuidar de seus dedos.

E se Cláudia não respondeu palavra sequer, Dijanira não se deu por satisfeita até, como em todos os seus discursos, sobre o que forem, desaguar em seu assunto predileto.

- A Licinha não cuidou das mãos e agora está aí, solteira.

Licinha era a irmã de Cláudia, um vulto triste que pairava no subconsciente de todos e até mesmo os móveis da casa haviam apreendido seus modos, opacos e riscados.

- Licinha, vem cá! Cláudia está aqui, venha. Sempre reclusa, essa menina.

Cláudia o tempo todo esteve ciente de suas atitudes e, quando decidiu deixar Licinha no centro de reabilitação, poderia projetar com exatidão as consequencias de sua escolha. Anos se passaram, mas Licinha ainda vivia lá, um lugar tão branco quanto o do hábito da freira que Cláudia veria, hoje, ao sair da casa de sua avó.

- Sempre imaginei que Licinha casaria antes de você.

Quando crianças, Cláudia era tida por Licinha como a favorita de seus pais. Entretanto, após a morte súbita e acidental do casal, Licinha havia lhe confidenciado que dizia apenas como provocação, no fundo uma tentativa de chamar a atenção. Foi nesse dia que as coisas tomaram outra forma para Cláudia, pois até ali sua frieza e completa ausência de sentimentos pela irmã se dava em liberdade, sem culpa.

- Era hábito. Eu só dizia por dizer.

A revelação de Licinha, aparentemente banal, revelava afetividade com a qual Cláudia não conseguia lidar. Era um peso insuportável estar assim, tão descaradamente ciente do amor que sua irmã era capaz de sentir. Não se passaram dois meses até a internação de Licinha.

- Preciso ir.

A igreja seguia a lógica de uma igreja de cidade muito pequena, era pequena. Úmida e feia. Seus adornos eram raros e vulgares ao mesmo tempo. Cláudia ajoelhou-se e, ao juntar as palmas das mãos, sentiu um espasmo, violento, jogando seu corpo para frente, como se uma golfada de vômito inexistente estivesse prestes a deixar seu corpo, espalhando-se pelo chão da igreja.

Chegou em casa muito tarde, perto das duas da manhã. Na cozinha um bilhete, JÁ FUI DORMIR, a noite era bastante clara e, mesmo sem luzes, Cláudia foi capaz de comer um sanduíche pronto que a aguardava no refrigerador. Tirou a blusa enquanto se dirigia ao banheiro, lá tirou a saia e enquanto se secava deu-se conta de uma mancha roxa em seu joelho esquerdo. Caminhou até o quarto e encontrou o marido, como era comum, diante da cama, de joelhos e com as mãos fortemente agarradas. Secou os cabelos, vestiu seu pijama e chupou o dedão de Arthur. Depois dormiram.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Ligação

Caminhava de um lado a outro, ia e vinha, cansando o vendedor de pipocas que detinha o espaço central do percurso. A senhora de chale branco e casaco cor de vinho barato abriu o livro e deu início à leitura, concentrada, ignorando o assédio de pombas que, ao que tudo indica, pretendiam aninhar-se em seus volumosos cabelos vermelhos. Roía as unhas nervoso enquanto observava cada passo da mulher, ignorando inteiramente a presença do pipoqueiro, agora por certo atento aos movimentos do homem, que parecia ter a mão direita presa ao bolso do sobretudo. Trinta minutos de leitura e ele ia e vinha e o pipoqueiro via tudo, tudo ela lia rapidamente, um best seller barato que pouco a interessava e sequer percebia o homem indo e vindo, a sua frente, agora, não mais, a sua frente agora não mais, sempre com os olhos fixos em sua presença. Era de aço o objeto que o pipoqueiro segurava quando o homem tomou assento ao lado da senhora das pombas e, ao dar o primeiro passo em direção, tenso e prestes a dar às costas a seu próprio veículo de trabalho, um telefone tocou. A senhora rapidamente deixou seus olhos escaparem das páginas, o pipoqueiro estacionou seu movimento por completo e o homem, de dentro do bolso direito de seu casaco, retirou o aparelho. Chamada não identificada, secou o suor da testa e, abrindo sorriso que escondia um nervosismo preocupado, atendeu.

- Alô, Júlia?
- Não, aqui é Ramiro.