terça-feira, 30 de setembro de 2008

Diálogo Sacro Pós-Moderno

- Eu tiro a roupa no Orkut.
- Como assim?
- Tiro a roupa, ora. Pelo menos sem camisa.
- Tu é bonitinho, mesmo.
- Imagina.

Pássaros cantam.

- Acho que tu também devia tirar a roupa.
- Eu tiro, ora.
- Tira? Entrei no teu álbum e não vi nada.

Sorriso.

- Não, não tiro pro orkut. Eu tiro a roupa, entende? Quando tenho que tirar.
- Ah...
- É, tipo, só tomo banho pelada.
- Mas banho é normal. O que mais tu faz pelada?

O grilo incomoda.

- Não fica vermelha, garota.
- Eu faço pelada as coisas normais, que todo mundo faz.
- Mas eu durmo de roupa, por exemplo. Tem gente que dorme sem.
- Eu durmo com.
- Então, viu como varia? Minha pergunta tem sentido.
- É. Forçando assim...

A gota pinga.

- Tá, eu vou dizer.
- Diz.
- Quando eu faço amor. Eu fico nua.
- Viu só?
- Não entendi.
- Viu só? Não é igual pra todo mundo, eu só consigo trepar de roupa.
- Pára, não mente.
- É sério, não consigo mostrar meu corpo assim, de perto, pra ninguém. Então fico de roupa. E coloco a guria de quatro, daí ela não me enxerga, vou por trás.
- Ah, que nojo.

Cachorros latem.

- Deve ser por isso que tu fica pelado no orkut.
- Isso, tenho problemas com intimidade.
- Isso é sério.
- Muito. Daí no orkut consigo colocar, porque ser de todo mundo é ser de ninguém.
- Profundidade não é teu forte, né?
- Depende em que sentido.

Silêncio.

- Tá chateada comigo?
- Ai, é que tu é estranho. É meio nojento.
- Claro que não.
- Claro que sim.
- Eu tô me abrindo. Pela primeira vez, contigo. Não é fácil pra mim.
- Eu sei, desculpa. Tem que ser verdadeiro.
- Tudo que eu queria era poder ficar nu na frente de alguém que gosto.
- Tá bem, tira a roupa.

Vizinha grita.

- Sério? Não, eu não vou conseguir.
- Vai, consegue sim.
- Não, não dá. Eu gosto demais de ti. Mas posso botar uma foto do meu pau no orkut.
- Ai, que asqueroso.
- Tô brincando.
- Tira, vai. Não vai ser a primeira vez que vejo um.
- Não consigo.
- Não enrola. Vai lá.
- Tira pra mim, então. Baixa a bermuda, eu não consigo.
- Tira a camiseta.
- Tá bem.
- Isso. Não precisa tremer. Agora eu baixo a bermuda.

Sino toca.

- Que bonitinho. Viu só, tá pelado. Não fica tímido.
- Acho que eu vou desmaiar. Me segura.
- Tá, aqui, calma.
- Aqui, vou cair.
- Ah, que cafajeste.
- Desculpa, eu não tava pensando em nada. Ele ficou assim do nada. Deve ser de tensão, já que nunca transei sem roupa. Não que a gente vá transar, calma, só tô...
- Tensão?
- É, sempre fico de pau duro quando tô tenso.
- Ei, tá encostando ele em mim.

Risos.

- Vai, pega nele, vai.
- Ah, rapidinho, eu tenho namorado.
- Mas é um favor, é minha primeira vez. Assim. Nu.
- Tá bom, tá bom. Vou colocar ele na boquinha.
- Isso, fica de quatro, agora.
- Não, tem que ficar de frente pra mim. Pra ter contato íntimo sem roupa. Me pega aqui, ó.
- Onde? Não, aí tá...
- Isso.
- Deu, agora tô bem.
- Vai, com força, não precisa ter medo.
- Tô indo bem?
- Tá ótimo.
- Tô quase.
- Eu também.
- Então vamos juntos.

Campainha soa.

- Ai, tá na hora da missa.
- Esqueci que tu tinha que ir. Vai lá.
- Tá bem, não conta pra ninguém, vai.
- Imagina. E obrigado. Foi importante pra mim.
- A campainha, vou sair pela janela. Abre a porta lá. Tchau, beijos.
- Tchau.

Roberto Carlos no rádio.

- Oi, Júlia.
- Oi, tava passando aqui na frente. Quer ir na missa comigo?
- Ah, de repente. Me espera?
- Espero sim.
- Entra. Sabe, eu fico meio meio assim, de ir na igreja e tal.
- Sério?
- Sério.
- Por quê?
- Ah, é que... Eu peco, né?
- Todo mundo peca, tu não deve fazer nada demais.
- Ah, isso já não sei. Deixa eu ir ali tomar banho.
- Vai lá, campeão. Mas me diz, que tipo de pecado tu comete?
- Ah.
- Fala.
- Bom, eu...
- Diz logo.
- Eu fico pelado no Orkut.

domingo, 28 de setembro de 2008

Entrevista

Vertiginosamente percorreu os doze degraus da escada de madeira, pisando forte e, a cada passo, o ranger da árvore tombada. Calculou mentalmente as suas possibilidades, sentia inabalável confiança e mesmo o pior resultado não merecia temor, o pior resultado seria mais um. Apenas um mais. Contrariando as expectativas, a porta impunha sua força com seu metal escuro e pesado, abandonando a elegância do cedro - era justo, a porta corta-fogo se faria necessária diante de tanto degrau que poderia ser queimado, a escada interminável.

O simples sorriso amigável do rapaz que o recebeu lhe era confortante, não fosse àquela porta poderia sentir-se plenamente em casa. Dois outros homens o aguardavam sorrindo, deliciados. Em seus rostos, a sensação de deleite palpável intrigava. Teriam extensa e intensamente pesquisado a respeito de suas qualidades - jovem, elegante, bonito, inteligente, simpático e, ousaria-se levantar possibilidade, bom vizinho? E os mendigos. Era orgulhoso de seu bom relacionamento com os moradores de rua e, muitos mais que para seus filhos, doava(-se) aos pedintes.

- Boa tarde, senhores.
- Boa tarde.

Pouco tempo depois ouvia-se o rangido a cada passo na madeira. Talvez não inabalável, quem sabe, degrau por degrau, apenas abalado. Mas um abalo gentil, momento de respiro interminável, ao qual já estava habituado. Difícil atingir as pessoas influentes, ele pensava. Difícil. O problema, chegou a conclusão, não era ele. O problema são as portas corta-fogo.