sábado, 22 de março de 2008

Patinetes, férias, outono

O site sugeria patinetes, férias e outono, como marcadores para a postagem.


Em certa tarde, ainda era muito jovem, nas férias, ela utilizava um patinete de seu primo para brincar. Não era outono.

quinta-feira, 13 de março de 2008

Sofreguidão

Desenganada, correu até a casa da tia, chorava demais, ai, já chega de sofrer de amor, meu bom Pai! Estava decidida a romper laços enquanto corria secando seu pranto, olha lá, que mulher balofa, e prosseguiu seu percurso até a porta da casa - era o fim da submissão.

- Titia, benzinho.

Desde sempre, era assim que chamava por sua tia. Pensou que a vida seria outra se seu benzinho fosse, de fato, a tia, que jamais lhe importunaria, mas logo esqueceu da idéia - quando tinha transado com Jordana sentiu um arrepio intenso que não era de prazer. Bateu na porta e repetiu.

- Benzinho, é sua pretinha.

Sentiu que, uma pessoa de fora, assim, veria a situação de maneira esquisita e pouco tradicional. O apelo por titia soava amoroso, como se amantes já fossem há muitos anos. Talvez com outra mulher fosse melhor, Jordana portava penugem densa, para ela, até mesmo os homens não precisavam de pentelhos. É, pensava, quem sabe titia não transe legal e a porta se abriu, repentinamente.

- Pretinha, que saudades. Acabo de preparar um chá gostoso.
- Pena que não tomo chá.

E gargalhou.

- É, eu mijo de pé - replicou a velha.

O ambiente ficou descontraído e ela contou todos os detalhes sobre o abandono. Não era mais possível viver com um homem como Rudinei, viril até demais em época de galãs sensíveis. Recém tinha descoberto que se tratava de um cafajeste. Após detalhamento, revelou à tia que o que estou precisando mesmo é de um homem bem fofinho.

- Gordos, minha filha?
- Fofo-cute, titia. Não sou buraco em campo de golfe.
- Ah, bem, então entendo.

Conversaram sobre tudo. Rudinei era passado e ela observava titia molhando o biscoito na xícara de chá. Tentou entrar em assuntos íntimos do passado, mas logo a tia mudou de assunto.

- As pamonhas estão uma delícia, atualmente.

Ela já sentia-se mal, imaginou titia transando com o vendedor de pamonhas, preciso sair daqui. Levantou-se, supetão, e, saracoteando o corpo buliçoso, urrou.

- Êta, fogo danado!

E saiu porta afora, a tia boquiaberta.

Fogosa estava, atacar titia não era politicamente correto. Correu até um banheiro público, entrou no homenzinho e, Virgem Santa, quanto pinto! Recostou-se no mictório e chupou dezenas deles. Sentiu-se, em certo momento, satisfeita, lavando-se no banheiro com a mulherzinha na porta.

Voltou para casa em passos lentos, parecia que Rudinei era seu destino.

- Querido, estou de volta.

O homem sorri, completo, segura a cabeça dela e, empurrando-a para baixo, sussura:

- Então chupa aqui.

sábado, 1 de março de 2008

Ano Novo

A cada mês, ano novo. Suas listas jamais cumpridas renovavam-se. Agora, as coisas seriam diferentes. Era primeiro de março e o ano, enfim, começaria. Janeiro e fevereiro seriam perdoados, meses de férias e sol escaldante, pouco convidativos a mudanças. Março já era diferente: sem desculpas para seguir a vida. Sua primeira meta e, no dia primeiro, ela poderia perfeitamente ser cumprida, era transar com uma pessoa aleatória que encontrasse no meio da rua, somente pela diversão.

Pela primeira passou reto, era uma mulher obesa.
A segunda parecia fácil demais.

A terceira era perfeita, mas estava acompanhada de um provável companheiro e seria indelicado agir sem qualquer senso de decoro.

Ficaria com a quarta opção, mulher razoável, de média estatura e, possivelmente, ainda virgem - era jovem demais para se perguntar. Conversou por alguns instantes. Era chave de cadeia. Sua filha estaria com a mesma idade. Não lembrava direito de seu rosto. Quando abandonou a mulher, decidiu sair de mãos abanando - jamais se esqueceria do rosto de sua filha, aquele bebê prematuro, doente e estranhamente acolhedor. Esqueceu.

Abandonou a idéia. Seu humor agora se transformava em extenuante melancolia, configurando seu corpo em pó, dissolvendo-o. Lembrou de uma promessa feita há exatos dez anos. Escreveria uma carta a sua filha. Não esperaria por uma resposta, pois certas lacunas jamais são preenchidas, lembrava de suas provas de gramática. Naquela noite, gatos gritavam pela vizinhança e a folha permaneceu em branco. Hoje seria diferente. Sentou-se em sua antiga cadeira forrada por um veludo vermelho, desbotado.

Minha filha, olá, pode parecer estranho mas estou aqui, seu pai, sempre a carreguei em meus pensamentos e, noite ou dia, jamais a esqueci, mesmo que, posso confessar, vez ou outra sua imagem não me seja clara na cabeça, já passaram-se 14 anos e ainda sinto pela separação, a nossa, pois sua mãe nunca foi boa mulher para mim, era amarga e sua dor me consumia, não duraria muito ao lado dela, sou um homem de certa fragilidade, um marmanjo triste, enfim, um pai que foi capaz de abandonar sua filha, apesar de todo o amor que sentia, um amor parecido com aquele que sentimos quando somos muito pequenos e assistimos ao desenhos da Walt Disney, desenhos esses que deixei de aproveitar ao seu lado e vi sozinho, solidão essa que me faz escrever essa carta que, espero, não seja tão mal recebida como mereceria - sei que a ausência é ainda pior que má presença -, mas escrevo para dizer que mesmo não existindo, porque eu jamais existi, de fato, para minha filha, mesmo não existindo, sempre amei, mesmo desconhecendo, sempre amei e essa é minha maior dor, me dói por dentro e por fora, me dói não conhecer seu rosto e não acompanhar uma vida que criei, peço desculpas, mil delas, não prometo um retorno, não prometo me intrometer em uma vida da qual escolhi não fazer parte, não espero uma resposta, mas seria bem-vinda se possível, seria alentadora, seria como poder existir plenamente em uma não-existência, eu só peço desculpas porque sempre te amei.

Ao colocar o ponto final, sentia esgotamento profundo e também certo regozijo por ter cumprido, pela primeira vez, no primeiro dia do ano, o primeiro de março de dois mil e oito, sua tarefa. Antes de dormir, horas depois, estirou-se sobre a cama e, com apenas dois dedos, segurou a folha de papel que estava sobre a mesa de cabeceira. Abriu o papel e leu a carta que escrevera horas antes – ela não dizia muita coisa. Sentiu-se decepcionado, tinha expressado tanto e, agora, parecia tão pouco. Acendeu a lareira em pleno verão, a madeira em brasa estalava como em noites de inverno solitárias, colocou a carta ali, por entre lenhas e, enquanto queimava dirigiu-se a sua cama. Deitou, fechou os olhos e – pela primeira vez no ano – dormia.