segunda-feira, 12 de outubro de 2009

O Terceiro Milênio

Marília precisa decidir-se entre dois homens. Um alto e um baixo. Um magro e um gordo. Um branco e um negro. Um é alto, magro e branco. O outro é baixo, gordo e, ainda por cima, negro.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Desengano

Escolheu o primeiro, pressão não era, de fato agradara em cheio, o azul. Para ele se vestiu, fez as unhas do pé, considerou o chocolate, mas abriu mão da tintura e somente fez o novo corte, contou até três antes de lhe tomar a visão, respirou fundo, após a contagem, e sorriu, ao se mostrar.

Quando obteve atenção, e pôde olhar diretamente nos olhos, estampou sorriso abatido e sem demora desceu o rosto. Assim seria. E já estava despida.

sábado, 3 de outubro de 2009

Vitória

Desceu a rua acinzentada
E cansada não cedeu
Pôs os galhos para trás
Escalou troncos demais
Fatalmente ascendeu

Quando a luz apagava,
A pinga secava e
O corpo gelava
Pouco importava

Tempo de abater
Para então recolher
Tempo de murchar
Para depois brotar

Submeter-se-ia
Calada
Pois adiante viveria
Abastada

Desceu a rua acinzentada
Cansada, não cedeu
Pôs os galhos para trás
Escalou troncos demais
Enfim enriqueceu

Deixe que eu apresente
A nova era
Em que tempo de sofrimento
Já findou completamente

Deixe que eu manifeste
O lustre preso ao teto
O mármore liso e branco
E o verdadeiro encanto:
O que a mim se submete

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Tributo

Uma lembrança que às vezes invade é a do passado não tão distante, mas cada vez mais, e lá éramos felizes. Juntos. Não que agora não sejamos, agora somos.

Agora os agrupamentos celebram separadamente, cada qual em seu QG, a sua cerimônia, e todos contentes, todos sorriem, todos têm prazer ao conversar. Antes tradição, cores e origamis, guardanapos que, caso alçassem voo, já estariam preparados, feito aves.

Agora esquecemos patrimônio e comentamos a missa ou o ataque terrorista, a música no rádio, sentimos falta uns dos outros. Antes os recebíamos, queridos, nós os queríamos bem, eles sentiam isso, assim sentiam; sendo recebidos. Estavam lá para receber?

Agora somos todos felizes. Mas só assim. Só distantes.

Imposto

Todo ano, Gustavo recebia dinheiro de seu pai. Dinheiro e duas gomas de mascar. Dinheiro e duas gomas de mascar. Dinheiro e duas gomas, durante 30 anos.

Naquele dia, não havia o suficiente para se dar. Gustavo recebeu apenas dinheiro.

Nunca mais viu o pai com os mesmos olhos.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Pobre Menino Rico

Dono de Vocabulário exemplar
Percebe que Ele
Para comunicar
Não se faz necessário

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Pílula da Sabedoria II

Só atura o que consome fritura

Pesadelo

Acordei ouvindo os aplausos. Abri as janelas.

Os policiais chutavam o homem algemado, deitado sobre o chão. A sensação era de alívio. Do nariz do homem escorria um tanto de sangue pelo rosto - foi o último chute, esse mais forte. Tomei um copo de água e, ao mesmo tempo, um criminoso a menos nas ruas.

Fechei as janelas. Dormi ouvindo os aplausos.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Viagem de Negócios

Foi muito legal, foi mesmo, foi tão foda que eu dividi em dois e dei o resto prum amigo, foi pro filha da puta do Renan, o idiota que, segunda sim segunda não, frequentava os clubes de strip mas era pra trabalhar, mesmo, não era pra ver as mulher gostosa que tavam lá, aquelas cheirosa, não era não, era pra tirar a roupa e mostrar o que não tinha de bom, o coitado, mas pudera, eu já ralei muito na vida e preciso, sabe, eu preciso trabalhar no que for e isso ainda é melhor do que ser puto, né não, sabe-se lá, isso é de cada um ou não, também, talvez seja de todo mundo por uma boa quantia de dinheiro, cara, por uma boa quantia é verdade, é capaz de eu fazer qualquer coisa se for assim, então, o pedaço maior era meu e daí o Renan ficou com o pequeno, eu sei, conheço bem o negócio dele, cala a boca, Priscila, deixa eu falar, era um taco, daqueles de se jogar taco bola, eu sei, porra mas se não soubesse ia perguntar, cara, podia ser madeira de qualquer merda, seu trouxa, vai se foder, e daí foi assim que vocês foram para a casa da garota, com os paus em punho?, isso aí e foi essa a visão dela quando abriu a porta de casa, caralho, que pau é esse, é o pau que eu comprei pra te dar em ti, sua vagaba, fala logo por que tu não deu pro Raul ontem; prazer, Raul sou eu, viu Priscila?, e ela não quis dar pra ti é?, não interrompe, Pri, conta logo; bom, o Renan seguiu dizendo que ele nem queria te comer teu cu, ele nem queria te dar em ti e ele nem queria beijo, sua bosta, mas agora eu dou, frente e verso e beijo, se vocês não me meterem o pau, vamo meter o pau de qualquer jeito, e uma, duas, três, quatro e cinco cacetadas gostosas, saiu muito sangue cara, vocês não tem idéia, que nojo, seus animais, e Priscila saiu da sala, ô, Guilherme, tuas mina nunca aguentam minhas história, pô, não tô acreditando nesse sangue todo, meu, então deixa eu contar o negócio, puta cara esquentado e xarope, se foder, calma, cara, porra Guilherme, ela era muito gostosa, tu devia ter visto os peitinho e tal, muito bom, só que depois das cacetadas e do sangue todo ela acabou morrendo mesmo, não teve jeito, o Renan até tentou um boca na boca, mas porra, ela tava muito fodida, toda arrebentada e não acordou mais, a gostosinha ficou lá, espatifada, daí a gente pegou uns saco de lixo e uma serrinha maior que tinha lá na garagem dos pais dela, eles tavam viajando, a gente serrou tudo e tal, botamo tudo nos saco e era isso, acho que era isso, só, só não cara, diz que não foi só isso, meu, diz que vocês comeram antes vai, putz, cara, não rolou nada mesmo, a gente já chegou tocando o terror, meu, isso eu entendi, quero saber é se vocês não meteram nela depois de morta, mesmo, antes de cortar.

Porra, Guilherme, tu é doente, cara.

Pílula da Sabedoria I

Despreza o que pouco pesa

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Mulher Nota 2000 - Parte 2

Aqui estou. Quem sou Eu? Não sabe? Muito prazer, meu nome é Matilde Mendonça e essa é a segunda parte do Mulher Nota 2000.

Estive pensando em mudar para 3000. Acompanhem meu raciocínio. Um leitor, muito delicado, sugeriu um engano de minha parte - estaríamos no terceiro milênio? Sim, mas qual o sentido de estarmos em 2000 e isso significar milênio 3? A coisa toda não faz muito sentido, então, penso, que mudando o 2000 para 3 as coisas se encaixariam. Enfim, isso é discussão para final de obra, estamos ainda apenas começando.

Hoje vamos falar um pouco sobre um assunto muito especial, uma nova tendência: a mulher gaúcha e o crack. Vocês sabem que o crack, ou craque, em português, é a peste do momento, pelo menos aqui no Rio Grande, pois então, esse assunto é delicado.

A utilização da pedra do craque estaria ou não diretamente ligada à utilização do Vagisil, nas gaúchas? Algumas leitoras com certeza estão com a pulga atrás da orelha. Parece que, ao utilizar tal produto, a mucosa vaginal vai pro beleléu e o bicho pega, de verdade, assim como no reality A Fazenda. A mucosa vaginal, como vocês sabem, está diretamente relacionada à vagina em si, o que é bastante relacionado ao ato sexual (também) em si. Ou seja, o gaúcho está perdendo o desejo de chupar a parceira.

As estáticas são alarmantes. Em cada cinco mulheres que se lavam com o Vagisil apenas uma mantém a rotina sexual em dia - aparentemente aquelas que não são adeptas à pratica oral. Essa desestruturação da relação sexual acarreta na destruição emocional da mulher gaúcha que, sem sexo, acaba recorrendo ao craque.

A situação é muito delicada. Como é possível a Mulher do Terceiro Milênio, que seja, conseguir pagar as contas e alimentar os cães estando chapada de craque? É mesmo uma situação bastante delicada e a solução é mais complicada do que pode parecer. A Mulher (Gaúcha) do Terceiro Milênio precisa se conscientizar.

Então, mulheres (Gaúchas), quando estiverem curtindo uma festa com os amigos e lhe oferecerem a pedra, já sabem:

Vagisil, Tô Fora!

domingo, 26 de julho de 2009

Mulher Nota 2000 - Parte 1

Meu nome é Matilde Mendonça e eu tenho 46 anos. Casada? Muito bem, obrigada. Mãe? Sim, senhor. Profissão? Sou escritora, faço diversas palestras e escrevo para jornais de todo o país.

Pareço normal? Não se engane - somos especiais.

Ser mulher é complicado... Queríamos direitos iguais? É, eu sei, agora dá saudade de pilotar o fogão, agora a gente trabalha, a gente vota, a gente fala. Mas continuamos sendo mães, donas de casa, vizinhas e muitas outras coisas, assim como nossas antepassadas. A mulher moderna sofre.

A mulher moderna quer um tempinho com o bofe mas não, ela precisa publicar sua coluna semanal e, ainda por cima, descobrir por que o filho parece tão descuidado; já é a terceira garota que ele engravida!

Eu vou estar aqui, sempre que possível, simplesmente porque eu sou uma mulher. Sou mulher agora, hoje. Sou a Mulher do Segundo Milênio. Posso não ser a Mulher-Melancia, mas o importante é cuidar da mente, leitora - pense nisso.

Como seguir prazos de trabalho, viajar, lavar o banheiro, conversar com os filhos, fazer amor com o maridão, ler muitos livros e assistir a muitos filmes e sair com as amigas e fazer ioga, malabares, pompoarismo e ainda conseguir dar aquela caroninha para o filhão? E o mais importante, como fazer tudo isso e ser perfeita?

Não somos perfeitas. Mas somos Mulheres Nota 2000.

PB

Uma brise sutil. Pássaros de todos os tipos voam sorrindo, enquanto as crianças sentadas sobre a toalha xadrez abrem a cesta de palha e retiram sanduíches e frutas saudáveis, frescos. As formigas passeiam sobre a terra, amigáveis. Silêncio.

Ainda falta colorir. Tem verde, marrom, vermelho, azul... Tem preto. Cadê a tinta amarela? Sente frio, é inverno rigoroso e a baixa temperatura endurece um pouco seus dedos. Precisa da touca de lã para que o traço saia firme. Encontra a bisnaga amarela.

Na pele as crianças podem sentir o sol queimando. Um queimar suave e leve, sem câncer e sem dor.

terça-feira, 10 de março de 2009

Aviso:

Péssima escritora, dentro de poucos dias, publicará seu mais recente trabalho, uma série de textos intitulada Mulher Nota 2000.

domingo, 11 de janeiro de 2009

Encoberto

Quando queria vê-la, baixava o rosto e fechava os olhos. Nem era preciso muita concentração, a imagem logo viria, em poucos segundos.

Uma tarde leve, clara e as janelas abertas. Tomavam sorvete feito crianças lambuzadas.

Quando queria ouvi-la, tampava os ouvidos com algodões. Nem era preciso passar poucos segundos, o som logo viria.

A noite silenciosa, quente e as janelas abertas. Um feixe de luz sobre os seios e a respiração, ao dormir, suave.

Quando queria tocá-la visitava uma casa escura e silenciosa, ainda que de janelas abertas, deitava sobre a cama clara, recebia a mulher leve, tapava olhos, ouvidos e também o nariz. Usava luvas, feito criança evitando a lambança.

Por poucos segundos, sentia.

Em seguida abria os olhos, desentupia os ouvidos, perdia as luvas e nu, antes de deitar-se só, fechava as janelas.

domingo, 4 de janeiro de 2009

Décadence Avec Élégance

Foi naquele pálido sábado quando ela finalmente lhe esclareceu. A afirmação, que carregava consigo certa simplicidade objetiva, acarretou na desestruturação daquele relacionamento até então sólido. Quando se deu o primeiro encontro, vestia um longo vestido verde esvoaçante e ele uma camiseta rasgada. Ele, dentro de si, carregara a vida toda a imagem do pobre homem que, ao final do dia, consegue estar ao lado de uma bela e elegante mulher, felizes. O primeiro encontro definia os padrões da história que os dois dividiriam, até o fim de seus dias.

Durante o decorrer dos anos, ela vestiu longos vestidos esvoaçantes, ele trajes puídos. Todos os anos, todas as semanas, todos os dias e minutos um regozijo lhe tomava e, quando em locais públicos, a sensação era a de que ele exibia seu troféu. Vez ou outra, desejando os holofotes, cavava buraco em seu quintal e, por uma semana, deixava uma camiseta e calça rasgadas debaixo da terra, em cova profunda. Sete dias e ele as desenterrava deleitado e, imediatamente, vestia-se e corriam para o shopping center. Em 2002, dormiu durante uma semana junto dos porcos, no chiqueiro do tio Abelardo, adquirindo as tonalidades desejadas. Estavam na Paquetá quando sentiu-se completo - percebia cada uma daquelas pessoas atentas e, sem dúvida, pensavam ai, meu deus, como essa gatinha tesuda pode dar uma banda com um porcão desses.

Não se poderia dizer que ela estava ciente dos objetivos do amado, mas aceitar hábitos alheios era prova de amor incondicional e lição que a acompanhava desde a infância no palácio de sua bisavó, Julieta. Ainda naquela época, aprendeu a aceitar o irmão doente mental como ser humano, embora, intimamente, tivesse suas dúvidas, especialmente ao presenciar o salivar excessivo do caçula.

Acordaram, a página do calendário deixou-se arrancar pelas mãos delicadas da jovem, que amassou a sexta-feira, acertando-a na cesta de lixo. Dia pálido, cantarolando enquanto esfregava os seios com o sabonete de luxo, dia pálido sai de mim. Surpresa, quando recebeu a visita dentro do box, derrubou a barra escorregadia sobre o ralo e ele, aproveitando o movimento da jovem, fez a inserção por trás, com sutileza. Enquanto moviam-se em frenético vai-e-vem, aproveitaram para relembrar o caso de Margarida, a senhora do apartamento vizinho que vinha sofrendo com infiltrações terriveis. Estou quase, ele disse, quando ela lhe esclareceu, naquele pálido sábado.

Jamais imaginara que sua inocente declaração seria como o primeiro dominó que escorreria sobre o segundo que, fatalmente, derrubaria o terceiro e destruiria o quarto. Perturbado, ao escutá-la, interrompeu a invasão, fitando os olhos da esposa com intensidade preocupante.

- Cansei de roupas da moda.
- O que?
- Aderi ao jeans.

Saiu de dentro do box, trancou-se no quarto, abriu o armário e olhou para sua pior roupa, a que esteve guardada nos últimos anos em prisão de segurança máxima apenas para ocasiões especiais. Não seria muita coisa ao lado de uma mulher de jeans. Abriu o baú esquecido sob a cama, o terno alinhado um pouco amassado logo voltou a reluzir, após o trabalho do ferro de passar. Sozinho, mesmo com a melhor roupa, ele não era muita coisa.

Saiu às ruas, mas passou despercebido.